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domingo, 28 de fevereiro de 2016

Londrina no tempo dos táxis aéreos

Em 1938, Londrina ganhou seu primeiro aeroporto, situado num terreno doado pelos irmão Palhano, próximo ao atual Patrimônio do Espírito Santo. Isso deu um novo impulso ao desenvolvimento da cidade e de toda a região, Afinal, as estradas que davam acesso ao Norte do Paraná eram de trânsito difícil: a terra roxa, tão fértil, cobrava seu preço na forma de pó ou de lama nas ruas e estradas.
Aviões Beech Bonanza da RETA no Aeroporto de Londrina
 Embora alguns aviões tivessem utilizado o aeroporto logo depois de aberto, em breve o racionamento generalizado  provocado pela eclosão da Segunda Guerra Mundial, em 1939, tornou o aeroporto quase deserto, e essa situação perdurou até o final da guerra, em maio de 1945.

Após a guerra, o crescimento da aviação foi rápido, não somente em Londrina, mas em toda a região. As empresas aéreas regulares chegaram em 1946, e Londrina tornou-se um lugar atraente para se instalar empresas de táxi aéreo.
Aeroporto de Londrina nos primeiros tempos
Não demorou para aparecer vários operadores de táxi aéreo na região. Prestavam todo tipo de serviço, além de transportar passageiros: fotografia aérea, transporte de pequenas cargas, transporte de urnas funerárias, doentes graves, e outros. Eventualmente, faziam os chamados "voos da coqueluche", nem sempre cobrados: crianças doentes embarcavam nos aviões, que depois voavam bem alto, já que se dizia, sem qualquer embasamento médico, que voar alto, com baixa pressão atmosférica, melhorava a saúde dos pacientes. Os pequenos aviões não paravam quase nunca, a não ser por motivos meteorológicos.
Bonanzas da RETA no Aeroporto de Londrina, nos anos 60.
Uma das maiores empresas de táxi aéreo criadas em Londrina foi a RETA - Rede Estadual de Táxi Aéreo. Operando principalmente aeronaves monomotores Cessna 170, e também aviões mais potentes, como o Beechcraft Bonanza, aeronave que se tornou emblemática na região, e depois bimotores, como os Piper Aztec e os Beechcraft Baron e Twin Bonanza. Os criadores da RETA foram os comandantes Sidney Polis e Milton Jensen.

O primeiro Beechcraft Baron da RETA, matriculado PP-APR, infelizmente, foi perdido num acidente em 08 de julho de 1964, ao chocar-se contra uma casa, ao fazer um voo de check de piloto, e os dois pilotos perderam a vida nesse acidente.
Hangar da RETA, em Londrina
A RETA construiu um grande hangar no aeroporto atual de Londrina, mas esse hangar foi vendido à REAL na década de 50, e transferiu-se para outro hangar próximo da Avenida Santos Dumont. 
O PP-APC, Bonanza da RETA, no Aeroporto de Paranagué, em 1959 (Foto: Cmte. Flávio)
 Muitos pilotos particulares se associavam para operar táxi aéreo, em pequenas organizações, como a BOA - Brasil Operações Aéreas, durante a década de 1950.
Proprietários da RETA-Rede Estadual de Táxi Aéreo, a partir da esquerda: Sidney Polis e Milton Jensen, e um dos pilotos da empresa
Outra grande empresa de táxi aéreo de Londrina foi a STAR, capitaneada pelos comandante Anélio Viecelli e Francisco Moreira da Silva, o "Chico Manicaca". A STAR foi criada em Bauru/SP, mas a empresa foi vendida e transferida para Londrina. Uma empresa de Belo Horizonte, a Imperial Táxi Aéro (ITA), também veio a Londrina nessa efervescente era da aviação geral.
Anúncio do Consórcio STAR-Contax, com aeronaves Bonanza
Posteriormente, uma empresa de Marília/SP, a Contax, uniu-se à STAR e à Imperial, formando o consórcio STAR-ITA-Contax, que, então, passou a contar com uma enorme frota de aviões. Essa empresa operou até mesmo um avião quadrimotor, o De Havilland Heron, matriculado PP-STS, que em Londrina foi apelidado de "Constellation de Baiano", já que o principal operador do tipo, no Brasil, era a empresa baiana TAS - Transportes Aéreos Salvador.
O PP-STS, o "Constellation de Baiano", operado pela STAR em Londrina
 Um dos pilotos da STAR-ITA-Contax foi um aviador chamado Rolim Adolfo Amaro. Rolim procurou emprego na Contax, mas essa empresa acabou vindo a Londrina para formar o consórcio com a STAR, e ele veio atrás. Conquistou a simpatia dos donos da empresa, mas não havia vaga de piloto para ele. Passou a ajudar na manutenção, a guardar e retirar aviões do hangar, e conseguiu até um pequeno aposento nos fundos do hangar. Mas não ganhava praticamente nada, se oferecia como voluntário para ajudar a limpar os Douglas DC-3 da Varig e da REAL para obter os restos do serviço de bordo dos aviões. Depois de algum tempo em Londrina, Rolim foi embora, para São José do Rio Preto.
O PT-BTA foi um dos três Beech Twin Bonanza que voaram na RETA (Foto: Cmte. Flávio)
Rolim Amaro acabou entrando no Táxi Aéreo Marília - TAM, e posteriormente adquiriu o controle da empresa, que depois se tornaria a regional Transportes Aéreos Marília, hoje TAM Transportes Aéreos, que ele tornou a maior empresa aérea do Brasil.

No final dos anos 50, se, por acaso, toda a frota de táxis aéreos baseadas em Londrina resolvesse pousar na cidade, não haveria espaço para abrigar os aviões, que somavam mais de 50, sendo a grande maioria constituída de monomotores Bonanza.
Remanescente da frota de Beechcraft Twin Bonanza da RETA, o PT-BXL encontra-se em restauração. A RETA teve três aviões do tipo: PT-BXL, PP-APQ e PT-BTA
Essa era dos táxis aéreos estava longe de ser ordeira. Muitos pilotos  não recusavam missões bem perigosas e nem mesmo voos de contrabando para o vizinho Paraguai. Os produtos contrabandeados eram, principalmente, café, do Brasil para o Paraguai, e, no rumo contrário, uísque e cigarros, nada de tráfico de drogas, hoje muito comum. Esses pilotos se autodenominavam "Legião Estrangeira".

O asfaltamento das rodovias do Norte do Paraná, a partir de 1958, e a grande geada de 1963, que destruiu muitos cafezais, fez diminuir drasticamente a procura por táxi aéreo, e os aviões partiram para outras fronteiras. A RETA mandou aeronaves para Redenção, no Pará, e depois para outras cidades da região do Rio Tocantins, que começavam a era dos garimpos. A empresa acabou transferindo sua sede para Curitiba. A STAR acabou se dissolvendo, e somente no final da década de 1980 é que outros operadores de táxi aéreo voltaram a se interessar por Londrina, e algumas empresas se estabeleceram na cidade, como a Catuaí Táxi Aéreo, a Seven Táxi Aéreo e a American Táxi Aéreo,  todas, no entanto, bem menores que as suas congêneres dos anos 50 e 60.


Londrina nos tempos da Aviação Velha

Quem hoje passa pelo Aeroporto Governador José Richa, em Londrina, nem imagina que a cidade já teve outro aeroporto público, entre os anos de 1938 e 1953. Denominado Aviação Velha, depois da transferência das operações para o novo aeroporto, hoje nada mais resta dele, a não ser o nome do bairro, outrora rural, mas que já está sendo envolvido pelos condomínios fechados de luxo da Gleba Palhano.
Aeronave pousada em Londrina em 1938, primeiro ano de operação do aeroporto (foto: José Juliani)
Londrina era uma cidade jovem em 1938, pois tinha se emancipado de Jathay (hoje Jataizinho) apenas 4 anos antes. Crescia rapidamente, impulsionada pela plantação de café, o "ouro verde" da época.
Londrina, nessa época, estava longe de ser um paraíso. Parecia-se mais com uma cidade poeirenta do velho oeste americano, com suas ruas não pavimentadas e as casas de madeira. O acesso era difícil, e quem precisasse viajar só dispunha dos trens lotados da Cia. Ferroviária São Paulo-Paraná, a SPP, e dos ônibus, principalmente da Viação Garcia, que trafegavam pelas péssimas estradas então existentes.
O pátio ferroviário de Londrina em 1938: o trem era o principal meio de transporte
A ideia de se construir um aeroporto em Londrina remonta ao dia 26 de maio de 1935, e foi lançada pelo jornalista Humberto Puiggari Coutinho, do Jornal Paraná Norte. O transporte aéreo já era uma necessidade para a nascente cidade, cansada das estradas ora poeirentas, ora elameadas. A terra vermelha do Norte do Paraná era fértil, mas cobrava o seu preço no desconforto que causava à população.
Em 1938, o Prefeito Willie Brabazon da Fonseca Davids finalmente começou a construir o aeroporto da cidade, em uma área adquirida dos irmãos Edson e Mábio Palhano em sua extensa fazenda, aberta no meio da mata antes da chegada dos colonizadores ingleses, e já tinha café plantado desde 1928.
Campo da Aviação Velha em 1938 (foto de José Juliani)
O aeroporto ficava localizado na estrada que levava aos patrimônios Regina e Espírito Santo, a cinco quilômetros da cidade, próximo ao Ribeirão Cafezal. O local foi escolhido pela Diretoria de Aeronáutica Civil - DAC, do Ministério de Obras e Viação, que contribui com uma verba de 20:000$000 (vinte contos de réis) para viabilizar a obra,
As primeiras negociações foram de uma área de vinte alqueires paulistas (484 mil metros quadrados), avaliadas em 15 contos de reais. Com a verba concedida pela DAC, no entanto, a prefeitura adquiriu dos irmãos Palhano um área maior, de 24 alqueires paulistas (580.200 metros quadrados), pela quantia de 18 contos de réis. Com os dois contos de réis restantes, a prefeitura começou as obras, em maio de 1938, empregando 25 trabalhadores e dois tratores da municipalidade.
Bem à moda da época, foram construídas três pistas, dispostas em forma de tesoura semi-aberta, o que possibilitava operar sempre com a melhor condição de vento possível. A pista principal tinha 1.000 metros de extensão, a segunda tinha 750 metros e a terceira 650 metros. Todas as três pistas tinham 100 metros de largura, e não eram pavimentadas. Um depósito de combustível (chamado à época de "essência") foi instalado no campo para reabastecer as aeronaves.
Willie Davids foi responsável pela construção do primeiro aeroporto de Londrina
As obras foram concluídas no início de setembro de 1938, e inicialmente a data de inauguração foi marcada para o feriado próximo de 7 de setembro, o que não ocorreu, por diversos problemas, relacionados principalmente com a agenda das autoridades que seriam convidadas para o evento, pois a maioria tinha compromissos relacionados com os festejos do dia da Independência.
Se as autoridades não vieram, pelo menos um avião pousou no campo no dia 7 de setembro. O jornal Paraná Norte registrou o pouso da aeronave na sua edição de 17 de setembro. O avião, pertencente à Empreza Nacional de Photografias Aéreas Ltda., era pilotado por Djalma P. de Camargo, e trazia como passageiro o Sr. Vilela, superintendente da empresa. O pouso ocorreu às 15 horas e 30 minutos de 7 de setembro, e mesmo não sendo oficial, pois ocorreu antes da inauguração do campo de pouso, foi o primeiro e histórico pouso de uma aeronave realizado em Londrina. O voo tinha decolado de São Paulo e fez duas escalas, em Ipaussu/SP e Jacarezinho/PR, para reabastecer, e durou 5 horas e 20 minutos ao todo, segundo o piloto.
Tanto o piloto quanto o passageiro elogiaram o campo, considerando-o um dos melhores do interior. Levando-se em consideração a condição precárias dos aeroportos brasileiros da época, é bem provável que o elogio fosse sincero. O dia seguinte amanheceu muito nublado para o avião retornar a São Paulo, e o piloto resolveu convidar algumas pessoas para um voo local, mais ou menos o que se conhece hoje como "voo panorâmico". Os ilustres passageiros convidados, os primeiros passageiros a embarcar no aeroporto de Londrina foram o Dr., Ernesto Rosembergue, sua esposa Dona Senta, o fotógrafo Luiz Estrella, o Dr. Luiz Figueiredo e sua esposa Dona Maria. No dia 9, um sexta-feira, o aviao retornou a São Paulo.
A inauguração foi adiada para o domingo, dia 11 de setembro, conforme determinação do Dr. Otávio Augusto de Faria Souto, representante da Diretoria de Aeronáutica Civil no Estado mas o tempo muito curto também dificultou o agendamento das visitas das autoridades, e ficou então para o dia 18.
Como o Interventor Federal de São Paulo, convidado para o evento, não podia vir no dia 18, a inauguração foi novamente adiada, para o domingo seguinte, 25 de setembro de 1938. A inauguração do aeroporto já estava virando uma verdadeira novela.
Finalmente, o Dr. Faria Souto, em um telegrama enviado ao Prefeito Willie Davids, no dia 22 de setembro, determinou que a inauguração deveria ocorrer em 25 de setembro, domingo, entre 11 e 12 horas, e que estariam presentes o Interventor Federal do Paraná, Dr., Manoel Ribas, e o General Manoel Rabello, comandante da 5ª Região Militar, que viriam de Curitiba.
O prefeito Willie Davids, na Aviação Velha, em 1941 (foto: ACIL)
Várias aeronaves deveriam estar presentes no domingo, segundo a edição de 24 de setembro do Paraná Norte. O 5º Regimento de Aviação mandaria cinco aeronaves da Aviação Militar,  três Corsários e dois Waco Cabine.  O Aerolloyd Iguassu mandaria uma aeronave, assim como a Vasp e a Aviação Naval. Pelo menos um avião particular estava confirmado, e provavelmente outros também participariam.
A Prefeitura Municipal convidou toda a população para o evento. A Viação Garcia colocou dois ônibus à disposição de quem quisesse participar da inauguração, em viagens contínuas e sem cobrança de passagem. O prefeito colocou 18 funcionários públicos como auxiliares de policiamento, identificados com uma simples braçadeira na qual estava escrito "Polícia".  O policiamento e a organização do trânsito foram coordenados pessoalmente pelo Delegado Regional, Sr. Achilles Pimpão. Foram fixadas placas de avisos nos locais perigosos e nas áreas franqueadas ao público.

A prefeitura estacionou no campo um veículo indispensável naqueles tempos poeirentos: o caminhão "aguador", com capacidade de 5 mil litros, e abastecido com água potável. Além de "apagar" a poeira, serviria também para aplacar a sede dos populares presentes.
O caminhão "aguador", em primeiro plano (foto: Clube do Carro Antigo de Londrina)
O Paraná Norte, no entanto, lamentou que os donos dos táxis (denominados à época "autos de praça") não tivessem "se associado ao júbilo reinante, organizando uma tabella (sic) de preços módicos".

Dessa vez, a inauguração aconteceu, mas, lamentavelmente, nenhum avião pode pousar devido ao tempo nublado. As principais estrelas do evento ficaram ausentes. Sem aviões, restou aos cinco mil presentes à festa comemorar, tomando água, a única bebida disponível.

O aeroporto acolheu, de início, muitas aeronaves particulares e de empresas especializadas em aerofotos e topografia, mas nenhuma empresa chegou a implantar serviços aéreos regulares para Londrina, antes e durante a Segunda Guerra Mundial.

Em 20 de janeiro de 1941, o Governo Vargas criou o Ministério da Aeronáutica, que se tornou a autoridade aeronáutica única no país, administrando tanto a aviação civil quanto a aviação militar. Pouco depois, em 22 de maio, era criada a Força Aérea Brasileira - FAB.

Janeiro de 1941 também foi importante localmente, em Londrina. No dia 21, um grupo de cidadãos londrinenes se reuniu para fundar o Aeroclube de Londrina. Fizeram parte dessa reunião o Prefeito nomeado de Londrina, Miguel Balbino Blasi, Ruy Ferraz de Carvalho, Anísio Figueiredo, Vicente Cioffi, Newton Câmara, Luiz Estrela, Davi Dequech e Atanásio Belo. Essa reunião elegeu o Dr. Anísio Figueiredo como primeiro Presidente do Aeroclube. Os irmãos Mábio e Edson Palhano doaram à instituição recém criada um terreno ao lado do Aeroporto, onde foi construído rapidamente um hangar de madeira, doada pelos madeireiros Carlos Almeida, Fabrini e Mortari. O hangar foi batizado com o nome do ex-prefeito Willie Davids, então no ostracismo político.

A construção do hangar era uma condição básica para o Aeroclube solicitar ao Governo uma aeronave de instrução.  O Dr. Anísio foi a São Paulo para se encontrar com o jornalista Assis Chateaubriand, que então coordenava a Campanha Nacional de Aviação, que arrecadava fundos para adquirir aeronaves de instrução para os aeroclubes brasileiros. Chateaubriand prometeu uma aeronave para o Aeroclube de Londrina, e Figueiredo voltou a Londrina, de trem, com essa promessa nas mãos, sendo festivamente recebido na estação ferroviária pelo feito.
A oficina Pismel recuperou o avião do Aeroclube acidentado ao chegar, em 1941.
O avião, de fato, não tardou a aparecer. Pilotado pelo jornalista e piloto Joaquim Macedo, um Piper Cub J3 chegou voando em uma tarde ensolarada de domingo a Londrina. O piloto sobrevoou a cidade, a baixa altura, mas não conseguiu localizar o campo de pouso, naquele caos que era então a área ao redor da cidade, repleta de áreas recém desmatadas, queimadas e restos de tocos de árvores. Ao se esgotar o combustível, o avião pousou nos pés de café da Fazenda Coati (hoje bairro Shangri-lá), ficando gravemente danificado, mas deixando o piloto ileso. Foi o primeiro acidente aeronáutico em Londrina.
Aviões DC-3 da REAL em Londrina, no final da década de 40
O avião foi recuperado em uma oficina de carros, de propriedade de João Pismel, e posteriormente voltou a voar no Aeroclube. Outros aviões foram chegando à instituição, a partir de 1º de julho de 1941, e o Curso de Formação de Pilotos foi homologado pelo Departamento de Aviação Civil no dia 13 de maio de 1942.
Acidente em Londrina na década de 1940 (foto: Camila Bordim)
1942, no entanto, foi um ano tenebroso para o Brasil. O Brasil entrou na Segunda Guerra Mundial em 22 de agosto, e as consequências disso não tardaram a ocorrer. O racionamento dos insumos básicos foi a principal praga imposta à população pela guerra. Quase tudo era racionado, do sal até o combustível. Os proprietários de automóveis se viram obrigados a colocar seus veículos em cavaletes ou adaptá-los para uso do gasogênio, um engenhoso invento que possibilitava usar lenha para funcionar os motores. Lenha era o que não faltava em Londrina na década de 1940, mas o processo era tão trabalhoso que somente alguns motoristas de praça e as empresas de ônibus se arriscavam a usar o dispositivo.
Ônibus a gasogênio da Viação Garcia, nos anos 40
Obviamente, aviões não podiam usar o gasogênio, e a gasolina de aviação, embora não sujeita oficialmente ao racionamento, praticamente desapareceu. Deixou de ser fornecida a granel e passou a vir em latas de vinte litros, que foram rareando cada vez mais, até desaparecer.

O campo de pouso de Londrina, sem aviões, passou a sofrer as consequências do abandono. O mato tomou conta do espaço. Com falta de verbas, a prefeitura também relaxou na conservação da estrada de acesso. A ponte sobre o ribeirão Cafezal, de madeira, frequentemente era levada pelas cheias, bloqueando o acesso ao aeroporto até a pé ou por tração animal.

Em 1944, somente o Aeroclube operava, praticamente, no aeroporto. O guarda-campo aproveitava os espaços livres entre as pistas para plantar milho ou arroz, para driblar o racionamento. Embora as atividades de instrução de voo, consideradas prioritárias pelo governo, continuassem, os pilotos e alunos sofriam naquele aeroporto isolado, poeirento e longe da cidade, e tentavam convencer as autoridades municipais a instalar um aeroporto mais próxima da cidade e mais acessível.
Hangar do Aeroclube de Londrina, já no novo aeroporto, em 1956 (foto: José Juliani)
A prefeitura acabou cedendo à pressão, e adquiriu uma área de terras rural bem próxima ao quadrilátero central da cidade, a então denominada "Seção Ikku", na zona leste, que foram compradas por imigrantes japoneses no começo da década de 1930. Durante a guerra, os imigrantes japoneses sofreram várias dificuldades e restrições, por serem considerados, praticamente, como "inimigos", e não hesitaram em vender suas propriedades para poder sobreviver naquela época.
Plantação de café no local onde hoje é o Aeroporto de Londrina (foto: Haruo Ohara)
A legalização das terras adquiridas da colônia japonesa, no entanto, tardou, pois o governo federal tinha confiscado as escrituras, o que atrapalhou burocraticamente o negócio. O novo aeroporto, portanto, custou a sair do papel. Foi somente em 29 de outubro de 1945 que dois pilotos-alunos do Aeroclube, os médicos Jonas Farias de Castro Filho e Afonso Haikal, aproveitando o súbito vácuo de poder resultante da deposição do Governo Vargas, tomaram "emprestados" dois tratores da prefeitura e começaram a arrancar os pés de café abandonados pelos japoneses na Seção Ikku.
Avião da REAL na Aviação Velha, década de 1940 (foto: Camila Bordim)
A pista do novo aeroporto tomou forma e estava praticamente pronta em 1949, ainda sem pavimentação, mas o velho aeroporto na Gleba Palhano ainda tinha um papel a cumprir.
Avião Dragon Rapid da VAA, primeira empresa aérea a operar em Londrina
Logo depois do final da guerra, em 1945, a aviação civil se viu subitamente renascida, inundada por material americano vendido quase de graça, como "sobras de guerra", pelos americanos. Muitas empresas aéreas surgiram nessa época, e logo o Aeroporto de Londrina tornou-se destino de uma empresa aérea regular, a Viação Aérea Arco-Iris - VAA.
Aeronave da REAL na Aviação Velha (foto: Camila Bordim)
A VAA, baseada no Aeroporto de Congonhas, São Paulo, começou a operar voos para o oeste paulista em 12 de julho de 1946, com uma linha ligando Congonhas a Ourinhos, Assis e Presidente Prudente. Pouco tempo depois, a linha passou a atender Londrina. A empresa operou 6 aviões ingleses bimotores De Havilland DH-89A Dragon Rapide, matriculados PP-AIA, PP-AIB, PP-AIC, PP-AID, PP-AIE e PP-AIF. Os Dragon Rapide podiam levar apenas 6 a 8 passageiros, mas tinham um bom desempenho de voo, pois alcançavam 210 Km/h de velocidade, bem mais rápidos que os trens, que levavam 24 horas de viagem entre Londrina e São Paulo, com uma incômoda e demorada baldeação em Ourinhos, ou os ônibus, ainda mais lentos, pela péssima condição das rodovias.
Primeiro avião da REAL a pousar em Londrina - 1947 (foto: Camila Bordim)
A VAA logo ganhou uma concorrente de peso em Londrina. A REAL trouxe seu primeiro avião a Londrina em 1947, pilotada pelo comandante chefe da empresa, Linneu Gomes. Era um Douglas C-47 convertido para DC-3 civil, bem maior e mais confortável que os Dragon da VAA. Os DC-3 da REAL passaram a dominar a aviação comercial em Londrina, mas isso acabou atraindo outras empresas, como a VASP, que também passou a operar ainda no antigo aeroporto. A VAA, depois de uma série de acidentes e problemas financeiros, teve suas linhas cassadas em junho de 1950 e deixou de operar.
Destroços do PP-RYK, do Aeroclube de Londrina, destruído em uma colisão aérea no centro de Londrina (foto: Camila Bordim)
Em 25 de agosto de 1947, o Aeroclube, que ainda operava na Gleba Palhano, sofreu um grande abalo com o primeiro acidente com vítimas da história da instituição. O Piper PP-RYK, ao sobrevoar o centro da cidade, chocou-se com um avião Stinson particular, o PP-DFY, pertencente a Glauco Gentil de Oliveira e procedente da cidade de Cornélio Procópio. Ambas as aeronaves se precipitaram ao solo, o Stinson na Praça Rocha Pombo e o Piper em uma serraria na Rua Acre, logo abaixo do pátio de manobras da Estação Ferroviária. Ambas as aeronaves foram destruídas e nenhum dos dois pilotos sobreviveu ao desastre.

DC-3 da REAL, e duas aeronaves do Aeroclube, o Fairchild F24 PP-DAC e o Piper J-3 PP-RYK, perdido em um acidente logo após (foto: Camila Bordim)
Em 13 de dezembro de 1950, uma quarta-feira, o aeroporto  foi palco do pior desastre aéreo até então ocorrido em Londrina. Um DC-3 da Vasp, o PP-SPT, sofreu uma pane de motor durante a decolagem, perdendo a direção devido à tração assimétrica e baixa velocidade. O avião saiu da pista e precipitou-se em direção a um bar que ficava na estrada, ao lado do terreno do aeroporto.
Grupo reunido ao redor dos destroços do PP-SPT da Vasp (foto: Apolo Teodoro)
O acidente ocorreu por volta das 13 horas e 30 minutos. O avião descia pela pista, que tinha um suave declive desde a estação de passageiros, e quando perdeu a reta da decolagem foi em direção às casas do bairro, precisamente para o bar do comerciante Augusto Lovo, o "Gustinho". Gustinho foi alertado pelas crianças, e se salvou, assim como as irmãos Rizzieri, Afonso, Cléria e Maria Aparecida e outros seus familiares. A professora Rosita Borges, que estava na venda do seu pai, Antônio Borges, também escapou por pouco, pois a venda também foi destruída pelo avião.
O PP-SPT acidentado foi lentamente sucateado pela VASP, após o acidente

DC-3 da REAL, na Aviação Velha (foto: Camila Bordim)
Três clientes do bar do Gustinho, o mineiro Antônio João de Matos, o "Totonho" e dois homens da família Pirolli, no entanto, não tiveram a mesma sorte e acabaram falecendo no acidente. Nenhum dos seis tripulantes e 25 passageiros do avião se feriu com gravidade. O voo provinha da cidade de Arapongas e tinha São Paulo como destino final. A aeronave teve perda total e foi desmontada pela VASP no local do acidente.
DC-3 da REAL, decolando da Aviação Velha em 1947 (foto: Camila Bordim)
Em 1952, o aeroporto velho começou definitivamente a ser abandonado. O piloto Sidney Polis construiu um hangar no novo aeroporto da zona leste, que viria a servir sua empresa RETA - Redes Estaduais de Táxi Aéreo, e que também serviu ao Aeroclube de Londrina enquanto essa entidade construía seu proprio hangar. Foi nessa época que o aeroporto de Londrina ganhou o seu primeiro fiscal do DAC, o senhor Dikran Balikian. Dikran permaneceria como fiscal do DAC em Londrina até se aposentar, em 2003.
Estação de Passageiros do novo aeroporto de Londrina, 1958
Finalmente, em 1953, a prefeitura e o Departamento de Aviação Civil resolveram abandonar definitivamente o aeroporto e transferir todas as operações para o novo aeroporto na zona leste, embora esse ainda não possuísse pista pavimentada e ainda operasse em condições precárias. A pista do novo aeroporto somente ganharia pavimentação em 1956, uma nova estação em 1958 e uma torre de controle em 1962.

Torre do novo aeroporto de Londrina, 1961
O abandono do velho campo se deu de modo súbito. Uma frota de caminhões transportou todo material das empresas e da administração do aeroporto para o novo em apenas um dia, e no dia seguinte, o DAC fechou definitivamente as pistas. O bairro contíguo ao aeroporto ganhou o nome de Aviação Velha, e passou anos em lenta decadência até a construção do Centro de Eventos de Londrina, que ocupa hoje parte do campo, e do "boom" imobiliário que hoje toma conta da região. Quanto ao aeroporto, nunca mais recebeu aeronaves, e passou à história depois de menos de 15 anos de operação.
Inauguração da pista pavimentada do novo aeroporto, em 8 de abril de 1956. Nessa época, o velho aeroporto já estava desativado (foto: Haruo Ohara)

Fontes: Apolo Teodoro (Planeta Sercomtel); Dr. Jonas Farias de Castro Filho; Dikran Balikian (DAC); Camila Palma Bordin (Unopar), Aeroclube de Londrina, Humberto Puiggari Coutinho (Paraná-Norte), Haruo Ohara, José Juliani

Pesquisa e texto: Prof. Jonas Liasch Filho (Aeroclube de Londrina)

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

Avenida Paraná, antes do Calçadão

Nos primeiros tempos de Londrina, a Avenida Paraná era a mais movimentada artéria da cidade, pois além de cruzar o centro, também era parte da rodovia, que vinha de Ibiporã através das hoje chamadas Estrada dos Pioneiros e Avenida Celso Garcia Cid (que já foi parte da Avenida Paraná).
Avenida Paraná, em 1946, já pavimentada e com a praça Mal. Floriano renovada
A circulação de carros no trecho central, entre a Praça Willie Davids e a Rua Pref. Hugo Cabral começou a ser restringida em 1977, com a construção do atual Calçadão, e o trecho ficou restrito à circulação de pedestres.
Avenida Paraná, na década de 1940, pavimentada com paralelepípedos
Por ser parte da rodovia, as duas primeiras estações rodoviárias ficavam muito próximas da Avenida Paraná, na Praça Willie Davids. A avenida concentrava grande número de casas comerciais.
Avenida Paraná no trecho da curva que passava pela Praça Willie Davids, na década de 40
O trecho da Avenida Paraná, entre as Avenidas Rio de Janeiro e São Paulo, assim como o trecho da Rua Maranhão, entre a Avenida Rio de Janeiro e a Rua Minas Gerais, foi o primeiro de Londrina a receber iluminação pública.
Trecho da Avenida Paraná, com os postes instalados no meio da rua, em 1941, ainda sem pavimentação
A curva da Avenida Paraná, no trecho que passava pela Praça Willie Davids, em 1940

sexta-feira, 7 de março de 2014

Alameda Manoel Ribas, década de 1940

Vista da Alameda Manoel Ribas em meados da década de 1940. Nessa época, a alameda era ainda denominada Rua Santa Catarina. Pode-se ver o prédio da Prefeitura Municipal, à esquerda da foto. Pela quantidade de veículos na rua, percebe-se que a foto foi tirada após a Segunda Guerra Mundial, pois praticamente não era possível utilizar carros durante o período do conflito, a não ser que fossem equipados com gasogênio.



domingo, 11 de dezembro de 2011

Planta de Londrina em 1936

Esta planta foi confeccionada pela antiga Cia. de Terras Norte do Paraná, e mostra as cidades de Londrina, Nova Dantzig, Rolândia e Heimtal. Faz parte do acervo do Museu do Imigrante, de São Paulo.

domingo, 14 de agosto de 2011

A primeira cadeia de Londrina

A primeira cadeia pública de Londrina, sem dúvida, não pode gerar nenhum sentimento nostálgico do londrinense. Ao contrário, poderia gerar, simplesmente, vergonha.
Primeira cadeia pública de Londrina
A cadeia não passava de um minúsculo cubículo de madeira, situado na Rua Mato Grosso, como se pode ver na foto acima. Havia espaço somente para a mesa e a cadeira do delegado.

Não havia, simplesmente, espaço ou segurança para abrigar os presos. A solução encontrada para isso foi manter um carroção-jaula, de tração animal, onde os presos eram acomodados até serem encaminhados para a delegacia de Jataizinho. Os presos ficavam ali, expostos à execração pública.
Delegacia de Londrina, nos anos 40
Essa construção ridícula foi substituída por uma delegacia maior, ainda em madeira, e em 1949, por um prédio de alvenaria, no final da Rua Sergipe. Foi apelidado pela população como "Cadeião".
O cadeião de Londrina, em estado deplorável
Hoje decrépito, mas ainda em uso pela Polícia Civil, aguarda restauração para se transformar em um centro cultural.


sexta-feira, 1 de julho de 2011

Avenida São Paulo em duas épocas

Essas duas fotos mostram praticamente o mesmo local, o trecho inicial da Avenida São Paulo, entre as Ruas Benjamim Constant e Sergipe.
Avenida São Paulo, ao lado da Praça Rocha Pombo, em 1942
Sessenta e oito anos separam as duas cenas. A foto acima retrata o início da pavimentação do trecho, em paralelepípedos, iniciada no segundo semestre de 1942. À direita da foto, pode-se ver a Praça Rocha Pombo, ainda não urbanizada e, mais abaixo, destaca-se o teto da primeira estação ferroviária, demolida três anos depois para a construção da nova estação, o atual Museu Histórico de Londrina.
Avenida São Paulo, no mesmo local, em 2010
A segunda foto, tirada em 2010, retrata o mesmo trecho de rua quase setenta anos depois. O Museu Histórico pode ser visto logo abaixo da Rua Benjamim Constant. Até onde a vista alcança, não há nenhum resquício da densa floresta que cobria a região, e o trânsito de carros e ônibus domina totalmente a paisagem.

A nota interessante das fotos, no entanto, é a quantidade de árvores margeando a rua. De fato, na década de 40, quase todas as árvores nativas existentes na área central da cidade foram erradicadas.

Pode-se notar algumas árvores replantadas ao longo da avenida. Era um caso quase isolado: somente em 1949 a prefeitura tomou a decisão de criar um viveiro de mudas e replantar mais árvores nas ruas. Hoje, a cidade tem muitas vezes mais árvores nas ruas do que tinha há 60 anos atrás.